A morte é uma ideia

Quando mais nada fazia sentido, ouvi aquele choro... distante... quase um sonho...

Mas, não...

Para o meu desespero, os lamentos eram do cirurgião, que dizia aos prantos, indignado:

"Perdemos o paciente; Volta! Volta! Claudemir! Respira! Por favor, respira, Claudemir! "

No centro cirúrgico recobrei a consciência afim de assistir o epílogo daquilo que a vida me reservara.

Pouco ou quase nada eu poderia fazer. Sem voz e com as mãos amarradas balancei a cabeça lentamente para sinalizar ao médico, "Estou morrendo!"

Naquele instante, a morte já havia varrido a superfície empedrada do meu ser. Eu apenas aguardava o desfecho trágico - 

"Confesso, nutri uma certa dose de curiosidade para descobrir o que era aquilo: O que significava morrer." Estava bem próximo de descobrir, quando...

Apesar do adiantado trabalho da morte, pensei: "Não posso me permitir morrer nesse momento"

"Afinal havia muita coisa mal resolvida em minha vida..."

Então a morte causou-me estranheza, sem que parecesse covardia ou medo e,

Em sinal de respeito a pequena história daquele corpo, abri os olhos e mirei novamente o médico. O estado dele continuava deplorável, senti compaixão pela fragilidade daquele homem e novamente me recolhi.

Então, veio a desesperança, que apontava para o fim sem redenção.

Mas continuei calmo

"O Satan e a Sara" vieram me visitar. Foi incrível, meu cachorro e minha mulher. (http://claudemir-sereno.blogspot.com.br/2017/02/poesia-da-irremediavel-tristeza.html)

Quieto no cômodo escuro do meu ser, permaneci alguns instantes. A consciência ia abraçando tudo. Ouvia-o soluçar, até conseguir juntar forças novamente e retornar a superfície, agora não mirava mais o médico, fui em busca dos olhos do homem de sobrancelhas grossas, do lado oposto. "Me ajude!"

Eu percebia o aumento da pressão intra-craniana, embora indolor indicava o agravamento rápida da situação.

"Ele se dispôs!" Contornou a mesa e desalojou o cirurgião, que ainda soluçava.

A parada respiratória estava abraçada a morte, que me sufocava.

O anestesista iniciou os procedimentos: Ventilação mecânica.

Então, mais uma vez, mergulhei no desconhecido e por lá corria a prosa, à luz mínima, entre eu e mim. Éramos dois.

O sensível e o inteligível.

Enquanto, um sentia o 'tubo', esófago e traqueia; O outro, atento e frio refutava a morte, tim tim por tim tim, que argumentava.

"O Sétimo Selo"

Submergindo ao máximo, naquela escuridão viscosa, fagulhas luminosas subiam e desciam. Como lavas incandescentes no fundo do mar. Senti a descarga elétrica; Exausto observei a energia vital, esvaia-se, se escondendo aqui e ali. Lutava desesperadamente pelo último refúgio, entre o coração e o cérebro para resguardar-se da morte. Escuridão total.

Já o resto... bem, o corpo era uma pedra só. Aço inoxidável, frio e rijo.

"Desfibrilador"

Depois de sete horas no centro cirúrgico, ao invés dos 90 minutos previstos, acordei.

Claridade! Luz, luz, luz. Ambiente solar. Enfim, o ar! Dessa vez os pulmões! Impressionante, respirava novamente.

Na unidade semi intensiva, privilégios à parte, após a parada respiratória e cinco cardíacas estava na segunda fase, entre elas uma fenda; da primeira trazia a memória, da segunda, tudo, absolutamente, tudo!

E não poderia ser diferente, da primeira, os hematomas que não me deixariam esquecer, da segunda, a dimensão exata das coisas. Isto é, a lucidez do tempo que restava viver e como experimenta-lo.

Entre as duas nem um anjo sequer, muito menos deuses, virgens ou reis apenas o pensamento.

Tanto o trabalho incansável da morte, quanto a luta pela vida foram solitários.

A sobrevivência à experiência incomum dedico a sensibilidade, ao pensamento e ao homem de sobrancelhas grossas, que ao final disse lacônico:

"Desencana senhor Claudemir, você nos deu um trabalho desgraçado! "

Da mesma maneira dedico ao Satan, meu pitbull e a Sara, minha mulher, que estranhamente apareceram por lá no momento mais difícil.

Entretanto, a capacidade inexplorada do ato de pensar, cujo poder reduziu a morte evidente em conteúdo do pensamento, me fascina mais e mais a cada dia.

Ainda que na experiência do dia a dia o ato de pensar esteja vinculado ao existir: "Penso, logo existo."

Entendo que o pensamento seria uma outra dimensão da existência. Existência orientada pelo pensar.

O próprio Deus, a diferença.

Claudemir Sereno.

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