Ulisses, Joyce e o desemprego.

O fato ocorreu faz vinte e cinco anos. A época, eu estava no começo do que poderia ter sido uma ótima carreira profissional. Poderia, se não fosse o Ulisses. Isso mesmo, Ulisses!

Depois de aprovado na entrevista, iria atuar na área comercial da empresa, uma multinacional portuguesa, líder mundial na fabricação de cabos navais.

Bem recomendado, esperava por um lugar ao sol. Ingenuamente pensava. Com pouco tempo de casa, tive a importante missão de recepcionar o diretor presidente da empresa em visita ao Brasil. 

No grande dia, no aeroporto, fiquei surpreso ao me deparar com o jovem presidente. Tinha no máximo quarenta, doutor em história pela Universidade de Coimbra e bem comunicativo. Enfim causou-me boa impressão.

No cafezinho de boas vindas ainda no aeroporto já havíamos conquistado um certo grau de cordialidade. Contudo, uma observação feita por ele no carro, antes de seguirmos para o hotel, surpreendeu-me. Ocorre que no banco traseiro estava uma surrada edição, tradução de Antônio Houaiss do clássico Ulisses de Joyce com várias anotações. 

Sem mais nem menos ao entrar o português disparou, com certa gravidade, "Este livro é seu? Sim, algum problema?" Ele emudeceu, pegou o livro, acomodou-se, manuseando-o até o hotel.
Folheava páginas e mais páginas em silêncio, lendo com avidez as anotações. Enquanto, eu dirigia e também em silêncio e me perguntava, "Qual é a dele?"

Longos minutos haviam passado. Então, ele parou abruptamente, fechou o livro, disparando: "Você não pode trabalhar em nossa empresa!" Fiquei sem ação, sem entender o sentido da observação. 

Passado o desconforto inicial, fui convidado para acompanha-lo durante a estada em São Paulo. Por alguns dias frequentei bons restaurantes, uma jornada gastronômica fantástica. Bons dias. 
Sobretudo, tivemos a oportunidade ideal para destrincharmos neologismos de Joyce com muita filosofia. Diga-se, exercia um certo fascínio ao ilustre visitante. Confesso, que também causou-me grande alegria compartilhar determinados pensamentos, os quais dificilmente poderia experimentar em outras circunstâncias. 

Entre uma taça e outra, o presidente tecia elogios ao desenvolvimento de idéias e repetia com certa insistência que eu despertava nele a lembrança de um certo revolucionário apelidado "Alemão" que tinha participado da Revolução dos Cravos.

E assim foi, apesar da filosofia, da boa impressão e amizade, depois de três dias estava novamente desempregado! Agora, por conta e risco de James Joyce. 

Quem sabe da próxima, a desqualificação se dê por Camões.

Enfim, as pessoas são diferentes essencialmente, mas o fracasso sempre vem a calhar igualando-as.

Navegar é preciso.

Claudemir Sereno. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poesia da irremediável tristeza: Luto

Sem Planejamento Familiar e dados consistentes sobre Causa Mortis:

Realmente, o Brasil do Império foi mais bem frequentado.