O SUS em tempos de Sírio-Libanês e a Reforma Política.
Após 10 anos atuando junto a Movimentos de Saúde, cheguei ao meu limite! Isso ocorreu no ano de 2007, quando perdi minha querida e saudosa Gabriela, de apenas 6 anos.
Minha história com a Gabi durou 4 anos de intensa convivência. "Ela era muito gente boa. Alto astral." Tanto que em períodos de internação, dona de uma dignidade sem fim, colocava um sorriso nos lábios e me acalmava, dizendo: Calma tio Alemão, eu vou aguentar!
Enfim, no fatídico dia ela se foi, vitimada por uma série de fatores, entre eles o dolo eventual. Comum nos serviços de saúde. Agravados não só pelos critérios adotados pelo MEC ao autorizar novos cursos de medicina Brasil afora, duplicando-os em 10 anos, mas também pela falta de rigor dos Conselhos Regionais, na aplicação do código de ética e na fiscalização de profissionais formados em outros países. Tudo subsidiado por uma justiça lenta e desinteressada, sustenta a minha indignação.
Se não fosse pelo fato, neste caso, da denúncia ter partido do pediatra que cuidava dela - em função da quebra de protocolos no atendimento a criança que, segundo ele teria provocado: "uma morte desnecessária" - muitos poderiam levantar duvidas quanto aos fundamentos desse desabafo. Dr. Caio, o denunciante morreu sete anos depois, sem nunca ter sido convocado a depor.
Além da Gabi, outras 1200 pessoas foram acolhidas, em 16 anos de trabalho voluntário, bancados com meu salário na iniciativa privada e de minha mulher, "Sara Ettinger" como professora.
Também contei com a colaboração de médicos que sensibilizados doaram o precioso tempo, cujo objetivo era auxiliar no tratamento de saúde, acesso a um direito básico.
Existe coisa mais banal e contraditória que isso: acesso a um direito básico?
Contudo ao longo do tempo, a inflexão na ajuda humanitária, agrega outra não menos significativa, a pesquisa. Pela necessidade de produzir novas visões de mundo, interpretar adequadamente problemas sociais que apesar de todo esforço insistiam em se repetir diante dos nossos olhos, aonde deveríamos atuar. Ou seja, comecei me questionando se de fato o direito a saúde era universal se o acesso, impunha-lhes toda sorte de constrangimentos.
Enfim, foi uma ousadia que me levou a pensar a saúde no campo da ética. Na verdade foi uma forma de não sucumbir e, morrer de tristeza a medida que os abismos nas relações econômicas, políticas e sociais por detrás do medo, da dor e da doença ficaram tão evidentes.
Enfim, foi uma ousadia que me levou a pensar a saúde no campo da ética. Na verdade foi uma forma de não sucumbir e, morrer de tristeza a medida que os abismos nas relações econômicas, políticas e sociais por detrás do medo, da dor e da doença ficaram tão evidentes.
Para mitigar este vazio também voltei aos estudos, gestão, políticas públicas, porém de um ponto singular e crítico do qual nunca abriria mão: "sempre a partir do ponto de vista do usuário do sistema público de saúde".
Deste ponto, das trevas de onde me encontrava até a luz do descrédito que o sistema de saúde tomou ao final, foi um caminho solitário, a medida que se utilizam da falta de esclarecimento para sustentar interesses impublicáveis, árduo e 'perigoso caminho', que segue.
O compromisso em defesa do interesse coletivo vem desse despertar solitário no meio do desespero.
Todavia, graças a compreensão destas relações pude estabelecer um diálogo qualificado, superando a desigualdade na relação médicos x usuários. O desvelamento dessas estruturas e dos vícios do discurso institucional foram fundamentais para estabelecer uma nova visão, segundo a qual, a luta por saúde deveria ser protagonizada por quem se utiliza do sistema, jamais por aqueles que mantêm vínculos com ele. Afinal, quem necessita de representação política não é o governo, mas o cidadão que morre a espera desse direito básico desde 1988.
Por dramática que fosse esta situação, enfrenta-la foi gratificante, porque a maneira mais profunda de sentir alguma coisa é sofrendo com ela. Dessa convivência nasceria uma pessoas mais preparada frente aos desafios que estariam por vir.
É importante ressaltar, que apesar do trivial, problemas aparecem a todo instante, tais como, epidemias, cuja finalidade suportam o fortalecimento de grupos de interesses especiais, um processo de difícil entendimento para os eleitores. É necessário pois analisar, que neles se oculta a oportunidade de transformar lobistas de Planos de Saúde e Laboratórios em representantes políticos do SUS, explorando quem padece nas intermináveis filas, perpetuando-a na falsidade ideológica.
A morte da Gabi, em 2007, e de milhões são consequência de relações dessa natureza. Por isso a política pra mim, não é pretensão muito menos obsessão, é dever. Assim, ao final de cada pleito, procuro tratar, sucesso e fracasso, da mesma maneira.
Obviamente, que as mudanças para fortalecimento dessa relação entre Sociedade e Estado, somente poderão ocorrer através de uma Reforma Politica decente que, seja possível a formação de bancadas em defesa da saúde originárias no conjunto dos usuários do SUS. Jamais a partir do Sírio-Libanês ou administração pública. http://claudemir-sereno.blogspot.com.br/2014/05/gloria-deus-nas-alturas-e-o-sus-na.html
Portanto para enfrentar esta luta inglória, de sucessivos fracassos, tornei-me líder de mim mesmo, inaugurando o processo que visa a representação politica do usuário de saúde pública, porque entendo que a luta por saúde pública é a própria luta por uma sociedade mais justa.
Enfim, de relações menos violentas entre Mercado, Estado e Sociedade.
Claudemir Sereno, é usuário do SUS.
Claudemir Sereno, é usuário do SUS.
(*) Sírio Libanês é uma metáfora
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